Quando desembarquei em 04 de março deste ano no Suvarnabhumi, o aeroporto internacional de Bangkok, o mundo era outro. Eu era outro. O COVID-19 parecia uma ameaça distante e passageira, o trabalho remoto era privilégio para poucos, o real não era a moeda mais desvalorizada do mundo e eu estava cheio de planos que não se concretizaram. A vida não está nem aí para o nosso planejamento.
Seis meses, vinte dias e dezenas de amigos feitos depois, estou de volta ao Brasil. Do lockdown de dois meses em Chiang Mai ao retorno da vida normal e a esperança de dias melhores em Koh Phangan (e sem essa de “novo normal”; a Tailândia foi um dos países mais bem-sucedidos no controle da pandemia), cheguei em São Paulo enxergando o mundo com outros olhos.
Morar no exterior é lidar diariamente com um estranho sentimento de não pertencimento. Você não pertence a lugar nenhum e nenhum lugar te pertence. Viver essa experiência durante uma pandemia global deixa as coisas ainda mais intensas.
Já são pouco mais de três anos viajando o mundo enquanto trabalho de forma remota, mas nenhuma das minhas experiências anteriores foi tão enriquecedora. Sinto que os últimos seis meses e vinte dias me trouxeram mais lições do que todo o período anterior vivendo como um nômade digital.
Enquanto meu café esfria no apartamento 2107 do edifício de número 224 na Rua Major Quedinho e os Hermanos Gutierrez me fazem companhia nos fones de ouvido, faço um apanhado com algumas das lições mais importantes que aprendi vivendo na Tailândia.
Lição 1: Me abrir para o novo
Quando caí na estrada, lá em 2017, eu era um viajante cheio de dedos. Fresco mesmo. Naquele ano pisei na Tailândia pela primeira vez. Cheguei avisado por blogueiros e blogueiras de viagem que não deveria provar comida de rua. Infecção alimentar, diziam.
Entre blog posts com listas de restaurantes “seguros” e reviews no TripAdvisor, o então viajante fresco de primeira viagem apenas seguia as experiências vividas por outros. Não havia espaço para a exploração, para flanar, para ser um Indiana Jones. Aí conheci Anthony Bourdain. O chef de cozinha rockstar. O viajante sem dedos. O storyteller. O amigo do Iggy Pop. O cara que nos deixou cedo demais.
Não fossem seus relatos gastronômicos ao redor do mundo, sentado em cadeiras plásticas de restaurantes que você não encontra no Guia Michelin, eu jamais teria provado o melhor pad thai que já comi feito por uma das melhores pessoas que já conheci. Ou então o tom yum de uma barraquinha decadente de um dos vários mercados de rua de Bangkok.
“Viagens não são sempre bonitas. Não são sempre confortáveis. Algumas vezes dói, pode até doer o coração. Mas está tudo bem. A jornada te muda; ela deveria te mudar. Ela deixa marcas na sua memória, na sua consciência, no seu coração e no seu corpo. Você leva algo com você. Com sorte, você deixa algo para trás”. (Anthony Bourdain)
Inspirado pelo espírito aventureiro de Bourdain superei também um outro bloqueio. Até ter a oportunidade de pisar em solo tailandês pela segunda vez eu tinha pavor da ideia de pilotar uma motocicleta. Em Koh Phangan, felizmente, me abri para o novo e resolvi alugar uma scooter.
Olhando para trás, algumas das minhas lembranças mais intensas na paradisíaca ilha foram em duas rodas. Quando fecho os olhos ainda consigo sentir o vento na cara.
Lição 2: A comida é o que mais nos conecta aos moradores locais
O saudoso Bourdain me ensinou também a desviar de grandes franquias sem alma como McDonald’s ou Hard Rock Cafés que transformam o visual das cidades em grandes praças de alimentação de shoppings centers.
Durante meus seis meses e vinte dias na Tailândia a comida foi responsável por grande parte das conexões genuínas que fiz com os moradores locais.
Seja perguntando sobre um tempero, fazendo caretas com alguma especiaria apimentada ou mostrando pratos típicos do Brasil em meu celular, comer em restaurantes de bairros nada turísticos criou o mais perto de um vínculo afetivo que tive com a Tailândia.
Como diz o antigo provérbio: “Em Roma, faça como os romanos”.
Lição 3: Ter menos coisas cria mais liberdade
“Imagine uma vida com menos: menos coisas, menos desordem, menos estresse e descontentamento… Agora imagine uma vida com mais: mais tempo, mais relações significativas, mais crescimento, contribuição e contentamento“. (Citação retirada do documentário Minimalism)
Quando a Tailândia fechou suas fronteiras no final de março e meus planos de ir para o Vietnã foram por água abaixo, tive que decidir entre ficar no país ou voltar para o Brasil. Muitos brasileiros em situação semelhante resolveram regressar. O fato de eu não ter posses como uma casa ou um carro e estar acostumado a viver em Airbnbs ao redor do mundo me trouxe uma liberdade maior para decidir meu futuro.
Como meu trabalho já era feito 100% de forma remota, minha decisão de ficar na Tailândia durante a pandemia se baseou apenas na minha própria segurança –– e basta comparar o número proporcional de casos e mortes por COVID-19 durante o período em que fiquei na Tailândia para perceber que fiz a escolha certa.
Lição 4: A felicidade é um meio; não o fim
A Tailândia é conhecida, entre outras coisas, por ser a “terra dos sorrisos”. Os locais têm orgulho de serem cordiais e acolhedores. Com uma cultura voltada para o coletivo, os tailandeses são ensinados desde cedo a se preocupar mais com o grupo do que com si próprios –– alguns os chamariam de comunistas…
95% da população do país é budista. E foi Buda quem disse que “não existe um caminho para a felicidade: a felicidade é o caminho”.
Desde que me tornei um nômade digital passei a dar mais valor ao ser; não ao ter. A frase de Buda sobre a felicidade dá ênfase justamente à importância de encontrar satisfação na experiência do ser. Tal como quando se viaja: aproveitar a viagem enquanto decorre, retirando o foco do destino.
Para os budistas, criamos a nossa felicidade ao longo do caminho. E fui muito feliz durante minha jornada pela Tailândia.
Lição 5: Eu não sou a minha profissão
Muitas das minhas conversas com desconhecidos no Brasil (principalmente em São Paulo) começam com “o que você faz da vida?”.
Na Tailândia, vivendo uma vida simples na praia, vestindo apenas uma bermuda velha e chinelos, conhecendo gente de todo o tipo e nacionalidade, minha profissão ou o título de Top Voice do LinkedIn pouco importavam.
A sensação é que todos, locais ou estrangeiros, estão em busca de iluminação. Assim como Buda. O interesse nas relações humanas se baseia em quem o outro é de verdade; e não em como paga suas contas.
Lição 6: É possível construir amizades duradouras mesmo sendo nômade
On the Road, de Jack Kerouac, termina após a melancólica separação dos personagens numa noite gélida de Nova York.
“Eu me lembro de Dean Moriarty, eu me lembro do pai que nós nunca encontramos, eu me lembro de Dean Moriarty“. (Jack Kerouac em On the Road)
Ser nômade significa viver tudo de forma intensa. E há uma parte em especial que dói em meio a tanta intensidade: tudo aquilo que fica pra trás enquanto você segue em movimento. Amizades, pores do sol e até seu restaurante favorito. Pequenas despedidas intensas que se tornam lembranças agridoces com o tempo.
Ainda assim, o senso de comunidade que experimentei em Koh Phangan, principalmente entre os expatriados latinos, é algo que levarei para o resto da vida. Ao ficarmos “presos” na Tailândia durante uma pandemia global, criamos laços e amizades duradouras.
Em todas minhas despedidas na Tailândia, no pôr do sol de Koh Phangan ou num rooftop em Bangkok, lembrei de Dean Moriarty.
Lembrei de Dean.
Moriarty.
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