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Em Star Treatment, faixa que abre o elogiadíssimo Tranquility Base Hotel & Casino dos Arctic Monkeys, o vocalista Alex Turner conta que queria apenas ser um dos Strokes.

Eu só queria ser um membro do The Strokes

Agora olhe para a bagunça que você me fez fazer

Há pouco mais de 11 mil quilômetros de distância da minha cidade natal, em Tel Aviv, a segunda maior cidade de Israel, num Airbnb decorado com latas de cerveja vazias, compartilho da angústia de Alex.

Pela primeira vez em uma década me vejo só. E numa bagunça. Não só pelas latas de cerveja vazias espalhadas. No ano em que completo 30 anos de idade me vejo obrigado a recomeçar a vida em meio ao caos de um fim de relacionamento que eu nunca achei que iria acabar.

A gente nunca acha. Afinal, para uma relação chegar próxima ou superar a casa dos dois dígitos há muito amor envolvido. Mas amor é diferente de paixão. E se a paixão acaba quando você ainda é jovem, talvez seja hora de seguir em frente.

Seguir em frente num país onde em cada pub que você entra há alguma menina parecida com a Bar Refaeli não é difícil.

Você senta no bar, troca uns olhares com a sua Bar Refaeli, faz um sinal com a cabeça para a sua Bar Refaeli sentar com você, oferece uma bebida para a sua Bar Refaeli, faz as perguntas padrões para a sua Bar Refaeli, responde as perguntas padrões da sua Bar Refaeli, oferece outra bebida para a sua Bar Refaeli, elogia os olhos azuis da sua Bar Refaeli, conta algum fato aleatório para a sua Bar Refaeli e quando se dá conta está no corredor de um prédio que não conhece com a braguilha da calça aberta pela sua Bar Refaeli.

Sua Bar Refaeli te convida para entrar. Em seu apartamento e nela. Você aceita de bom grado os convites. Duas vezes, no caso do último.

Aí você amanhece ao lado da sua Bar Refaeli e sua cabeça dá um nó ao dar bom dia para aquela Bar Refaeli que não esteve ali na última década. Seus olhos escaneiam aquele corpo perfeito, os olhos azuis, os cabelos loiros, os traços de modelo da Victoria’s Secret, a lingerie vermelha jogada no chão do quarto e seu cérebro trata de lembrar, ainda que com atraso, porque você acordou olhando para um rosto diferente pela primeira vez em uma década.

Seu despreparo emocional para o recomeço o faz se apaixonar instantaneamente. Você já elegeu a sua Bar Refaeli para seguir em frente. Não vê mais sentido em frequentar pubs atrás de outras Bar Refaelis. Sem que ela saiba, tenta estender sua estadia na cidade. Procura por outro Airbnb, tenta cancelar a passagem de volta.

Se despede com um beijo apaixonado, pela menos da sua parte, e a promessa de um encontro no final do dia. Ela tem que trabalhar. Você também, mas não consegue parar de pensar nela. No corpo perfeito, nos olhos azuis, nos cabelos loiros, nos traços de modelo da Victoria’s Secret, na lingerie vermelha jogada no chão do quarto.

Vocês trocam telefones e arrobas. Algumas horas depois você pensa em escrever algo pra ela. Mas aí lembra que pode parecer apaixonado demais. Tenta dar uma de durão e fica na sua. Melhor esperar ela me escrever algo. Você ri ao lembrar de como sentiu falta desses joguinhos, mas a expressão do seu rosto fica séria ao lembrar de como isso pode te abalar caso os dois risquinhos do WhatsApp fiquem azuis e você não receba uma resposta.

A mensagem que chega é da sua ex. O assunto é trabalho, a única coisa que ainda une o antigo casal. Você pergunta como ela está. Ela está bem. Você ainda a ama, mas agora tem a sua Bar Refaeli e talvez devesse enviar uma mensagem pra ela. O final da tarde se aproxima.

Você escreve dizendo que adorou a noite anterior. Ela demora, mas responde. Quer te encontrar no mesmo pub. Você não pensa duas vezes. Aceita o convite pensando em novamente escanear o corpo perfeito, os olhos azuis, os cabelos loiros, os traços de modelo da Victoria’s Secret e a lingerie vermelha jogada no chão do quarto na manhã seguinte.

Senta no mesmo lugar do bar e puxa um banco para perto. Coloca sua mão sobre ele avisando que está reservado. Uma mensagem chega no seu celular. É ela. Aconteceu um imprevisto e sua Bar Refaeli não poderá te encontrar.

Sua mão não está mais no banco. Você olha ao redor e percebe outras Bar Refaelis, mas nenhuma é a sua. Aquele mesmo vazio do término do seu relacionamento volta a te assombrar. A bagunça toma conta dos seus pensamentos. Será que ela está me dando fora? Será que ela não gostou da última noite?

Você pensa na sua ex. Pede um whisky. Depois outro. E uma cerveja. Pensa em acender um cigarro, mas você não fuma. Então escreve mensagens que se arrependerá na manhã seguinte e lembra de outra música cantada pelo Alex.

Agora são três da manhã

E estou tentando fazer você mudar de ideia

Te deixei múltiplas chamadas perdidas

Até você responder minha mensagem

“Por que você só me liga quando está chapado?”

Ele estava certo. Você bagunçou tudo. De novo.

Publicado originalmente no Medium.

Escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti.
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