Quando o táxi venceu a estrada esburacada pela chuva e pelo tráfego constante de caminhões-pipa e me deixou em Playa Esperanza, pequena vila de pescadores banhada pelo mar de águas turquesas do Caribe, esperava encontrar ex-mercenários viciados em ópio, fugitivos da Interpol, cafetões agressivos e suas meretrizes, rinhas de galo, assassinos de aluguel, russos traficantes de AK47, escritores beatniks bêbados sofrendo com bloqueio criativo; esperava a ralé internacional. Vagabundos, desajustados, foras-da-lei. Gente da pior espécie – como eu. Afinal, estamos no México.
Sinto um leve desapontamento assim que piso na areia branca da praia e não encontro nada disso. À direita uma lourinha bronzeada coberta de tatuagens de flores e mandalas dessas que a gente vê no Pinterest pratica yoga enquanto seu namorado a filma; um branquelo musculoso com pinta de lutador greco-romano. O rapaz mostra o resultado da filmagem. A garota pede que ele tente mais uma vez. Talvez ela esteja filmando algum vídeo de divulgação da Semana Plena & Saudável. No último dia do evento ela venderá um curso online que nos ensinará a ter uma vida equilibrada. 6 dígitos em 7 dias. Penso em me inscrever.
À esquerda vejo um beach club. Tuntz, tuntz, tuntz. Como eu odeio música eletrônica. Ainda mais na praia. Há uma piscina. Turistas mal vestidos muito provavelmente dos Estados Unidos da América falam alto enquanto bebem drinks coloridos. “Oh my god, Jessica! She is so craaaaazy!!!“. Uma mexicana baixinha me oferece massagem. Odeio tudo isso e encontro refúgio no bar do hotel boutique. Será que me tornei uma pessoa amarga? Ou é o gosto do negroni?
O fato é que Tulum hoje é muito diferente daquela que conheci em 2017. Não adianta você tentar fugir para uma vila de pescadores. Os resorts, beach clubs e hotéis boutique invadiram a praia – literalmente; boa parte da faixa de areia é privada. As pessoas que veem as fotos do Instagram tem uma visão romântica sobre a cidade mais hypada do México e são alimentadas pelo FoMO (“Fear of Missing Out”, ou medo de estar perdendo algo, em português). Dão seus likes em fotos perfeitas no AZULIK, o lugar mais instagramável de Tulum, mas não fazem ideia de que suas blogueiras da Semana Plena & Saudável esperam cerca de 40 minutos em uma fila para fazer o clique. Parabéns pela foto. É isso que você está perdendo.
Os preços, claro, são inflacionados. Uma diária perto da praia em uma cabana meia boca com teto de sapê custa em torno de R$ 900 (nos lugares mais baratos). Se você opta por se hospedar no pueblo (o centrinho) consegue economizar uma grana, mas a localização não compensa – e a mobilidade não é das melhores na cidade. Dou um último gole no negroni e peço a conta. MXN 250 (o equivalente a R$ 65 por um drink – que não estava nada demais). Passo o cartão. A primeira tentativa falha. O atendente explica que a internet é ruim naquele ponto da praia e diz para irmos até a recepção. A segunda e a terceira tentativa também falham. Não tenho dinheiro em espécie. Ele diz que há um caixa eletrônico há cerca de 1km dali e que posso pagar no dia seguinte. Algo não mudou de 2017 para cá: a internet é horrível em Tulum. A blogueira da Semana Plena & Saudável perceberá isso assim que tentar fazer o upload do seu vídeo.
Recentemente uma reportagem do Business Insider sugeriu que os nômades digitais estão destruindo paraísos tropicais. O texto, bastante sensacionalista, cita Tulum como exemplo, dizendo que os serviços já precários de eletricidade, esgoto e rede de água ficaram ainda mais comprometidos com o fluxo de viajantes que trabalham de forma remota.
Segundo a matéria, diferentemente do fluxo turístico normal, os nômades digitais elevam a pressão sobre a infraestrutura local, das quais eles se beneficiam, sem, no entanto, contribuir para os fiscos locais – o que não faz o menor sentido, visto que qualquer viajante (nômade digital ou não) paga impostos sobre tudo o que consome (incluindo aquele negroni que não estava nada demais).
Dizer que os nômades digitais estão destruindo paraísos tropicais é transferir a responsabilidade de um problema maior – que, como sempre, tem a ver com dinheiro. Segundo o Ministério do Meio Ambiente do México, 80% dos cenotes, pontos turísticos de mergulho em Tulum, estão poluídos. Imagino (apenas imagino) que os resorts, beach clubs e hóteis boutique que desmataram o manguezal da costa que tinha a capacidade de filtrar naturalmente dejetos – impedindo-os de chegar aos cursos de água – não tenham sido construídos por nômades digitais.
Volto para a cabana assim que a noite cai. Acendo a luz e vejo uma aranha caranguejeira no teto de sapê. Ela tem o tamanho da minha mão. Informo o ocorrido para a recepcionista, que diz para eu ficar tranquilo. “Nos es mala“. Minha companheira não quer saber se ela es mala ou não e insiste com a recepcionista que algo seja feito. Um mexicano com um pedaço de bambu gigantesco aparece. “Es mala sí“, diz ele antes de devolvê-la à natureza (os invasores somos nós). Fecho o mosquiteiro ao redor da cama e me deito. Escuto o barulho das ondas quebrando lá fora. Fito o teto de sapê em busca de novas aranhas malas. A única coisa que perdi em Tulum foi o sono. R$ 900 por noite (com impostos).