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Lançado em 1949, O Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell, mudou a maneira como o ser humano moderno compreende as histórias. Ao analisar e comparar inúmeros contos, o autor chegou a conclusão da existência de um monomito, isto é, um mito primário presente na estrutura comum de todas as lendas e estórias.

A fórmula descrita por Campbell tem sido usada exaustivamente em produções de Hollywood desde então. Se você já assistiu algum dos filmes das franquias Star Wars ou De Volta para o Futuro, saiba que a estrutura narrativa é a mesma; mudam cenários, enredos e personagens.

No final dos anos 1990, Christopher Vogler, roteirista que colaborou em filmes da Disney, Fox e Warner Bros, lançou o livro A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica para Escritores, escrito com o objetivo inicial de ser um guia interno para os roteiristas dos estúdios Disney.

Baseado no trabalho de Campbell, Vogler faz uma detalhada e esclarecedora análise das estruturas narrativas de grandes clássico do cinema. A ideia original presente em O Herói de Mil Faces contém 17 etapas em sua fórmula, mas Vogler as condensou em 12 que hoje são conhecidas como a “Jornada do Herói”.

São elas: o mundo comum; o chamado à aventura; recusa do chamado; encontro com o mentor; a travessia do primeiro limiar; provas, aliados e inimigos; aproximação da caverna secreta; a provação; a recompensa; o caminho de volta; a ressurreição; e o retorno com o elixir. Você pode ler mais sobre cada uma delas neste link.

Não há absolutamente nada de errado com as estruturas propostas por Campbell ou Vogler. Elas, de fato, funcionam. O problema, no entanto, é a proliferação de histórias (ou seriam estórias?) produzidas por marcas e empreendedores que buscam vender seus produtos ou serviços através do storytelling.

O que é storytelling?

Storytelling, numa tradução literal, significa “contar histórias”. Em linhas gerais, podemos dizer que é um conjunto de estruturas narrativas inspiradas no cinema e na literatura para guiar o leitor numa jornada única com o objetivo de desenvolver uma conexão genuína.

Produtores de conteúdo, no entanto, têm usado essas estruturas à exaustão e, de certa forma, banalizado o termo storytelling.

Veja se os dois exemplos abaixo soam familiares.

Exemplo 1

Chovia naquela manhã.

Eu não estava bem. Tinha chegado ao fundo do poço.

Até que eu conheci fulano.

Ele me ajudou a ter clareza no meu propósito de vida.

Agora quero fazer o mesmo por você.

Conheça meu Programa Quântico de Propósito de Vida.

Exemplo 2

Fulano não estava bem.

Até que um belo dia fulano encontrou nossa empresa e conheceu nossos serviços.

Não foi um caminho fácil até lá. Fulano passou por dificuldades, mas hoje se diz realizado.

Faça como fulano e conheça nossos serviços!

Para se destacar e prender a atenção do seu público não basta seguir uma fórmula como a Jornada do Herói. Sua narrativa, além de bem estruturada, tem que soar genuína e autêntica. Fazer mais do mesmo só porque todo mundo está fazendo não é lá algo muito inteligente.

Storytelling vai além da 'Jornada do Herói'​

A Jornada do Herói funciona, mas não salva histórias ruins

Não adianta você criar uma história mirabolante seguindo à risca todos os passos da Jornada do Herói se você não entende coisas básicas como as dores e desejos do seu público-alvo.

Criar uma boa história vai muito além de uma fórmula. Principalmente quando estamos falando de negócios. Não basta você contar uma boa história; é preciso vivê-la. E temos um ótimo exemplo de história divulgada recentemente que começou nas telinhas e se transformou em produto.

No começo de 2019 os atores principais da série Breaking Bad, Aaron Paul (Jesse Pinkman) e Bryan Cranston (Walter White), publicaram nas redes sociais fotos recentes dos dois juntos. Os fãs ficaram em polvorosa achando que um filme sobre a série poderia ser gravado.

Até que no último mês a dupla divulgou uma história maravilhosa em suas redes sociais contando o que, de fato, estavam fazendo. Na verdade, eles estavam lançando juntos uma marca de mezcal –– que é uma espécie de tequila.

Aí você pensa, ok, legal. Mas ao ler o texto verá que ele foi escrito de forma tão criativa, de forma tão imersiva, que terá vontade de tomar o mezcal.

“Há três anos nos sentamos em um sushi bar em Nova York. Conversando sobre a vida e o que poderíamos fazer juntos no futuro. Tivemos a melhor época das nossas vidas gravando Breaking Bad e criamos um laço muito especial. Sabendo que não poderíamos dividir as telas por algum tempo – nossos pensamentos se transformaram em um novo projeto.

Bebemos drinks e pensamos no que deveria ser. O mais jovem olhou para seu drink e disse, sabe o que deveríamos fazer? Deveríamos fazer um mezcal realmente especial. O mais velho disse, você quer dizer a bebida com a larva no fundo da garrafa? Não, isso era só um truque idiota, eu quero dizer mezcal real e artesanal feito à mão no México.

Após esse jantar nós não conseguíamos tirar a ideia da cabeça. Então começamos a viajar para Oaxaca para ver se conseguíamos encontrar a bebida, e nós sempre dissemos que tinha que ser “A” bebida, algo tão bom que mesmo as pessoas que acham que não gostam de mezcal iriam adorar. Tinha que ser perfeito ou não iríamos fazer.

Procuramos em todos os lugares de Oaxaca, conhecemos pessoas incríveis no caminho e após uma bela mas cansativa busca através daqueles cenários magníficos nós acreditamos que encontramos o nosso lugar. Nosso mezcal. Era em uma estrada de terra, em uma pequena vila, horas distante do centro da cidade, nós encontramos e era perfeito. Puta merda, era perfeito.

Olhamos um para o outro e simplesmente balançamos a cabeça. É isso. Demos o nome de Dos Hombres – dois caras em uma aventura. Tem sido uma longa e maluca jornada e não poderíamos estar mais felizes por compartilhar com vocês e o resto do mundo. Somos malucos pelo sabor, o aroma e a versatilidade desse álcool defumado e envelhecido.

Experimente e nos diga o que você acha. Temos certeza de que você irá amar. Bem, essa é a nossa história. Qual é a de vocês?”.

Bryan Cranston e Aaron Paul.

Claramente há uma influência da Jornada do Herói por aqui, mas percebem como a história é boa? Esse texto poderia ser facilmente um post no LinkedIn que certamente viralizaria –– mesmo sendo uma propaganda de um produto.

Eles contam como surgiu a ideia, descrevem as cenas, os cenários. O texto é totalmente imersivo. Ao lê-lo, consigo me imaginar em Oaxaca, suando, procurando por mezcal e conhecendo pessoas locais com histórias incríveis.

E esse tipo de coisa você pode fazer nos seus textos de venda, por exemplo. Vai lançar um produto ou serviço? Conte a história de como surgiu a ideia, descreva cenas e cenários, faça o leitor imergir no texto.

Se os atores tivessem utilizado chavões do mercado publicitário como “um novo conceito em mezcal” o impacto não seria o mesmo. Por que digo isso? Eu provei mezcal quando estive no México e achei o gosto horrível. Mas, essa história foi tão bem contada, tão imersiva, que eu acredito que o mezcal da Dos Hombres é realmente incrível e espero um dia ter a oportunidade de prová-lo.


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Storytelling vai além da ‘Jornada do Herói’​

 

Escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti.
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