Há meses eu venho adiando escrever esse artigo. Na última semana, porém, dois relatos mexeram comigo. Um aluno me escreveu dizendo que havia tentado tirar a própria vida. Num grupo de WhatsApp que participo, um outro produtor de conteúdo recebeu uma mensagem de um leitor pensando em fazer o mesmo.
Tenho amigos próximos com depressão. Outros estão com os primeiros sintomas. E eu mesmo já tive, no passado, momentos em que minha saúde mental dava indícios de que as coisas poderiam explodir a qualquer momento. O motivo? Trabalho.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é considerado o país mais ansioso e estressado da América Latina. Nos últimos dez anos, falando de forma global, o número de pessoas com depressão aumentou 18,4%, isso corresponde a 322 milhões de indivíduos, ou 4,4% da população da Terra. No Brasil, 5,8% dos habitantes –– a maior taxa do continente latino-americano –– sofrem com o problema.
O estudo da OMS mostra ainda que, em relação à ansiedade, o Brasil também lidera, com 9,3% da população. Esse problema engloba efeitos como fobia, transtorno obsessivo-compulsivo, estresse pós-traumático e ataque de pânico. As mulheres sofrem mais com a ansiedade: cerca de 7,7% das mulheres são ansiosas e 5,1%, deprimidas. Já entre os homens, o número cai para 3,6% nos dois casos.
As taxas de suicídio no Brasil também aumentaram no último ano. O país tem um novo caso a cada 46 minutos. O suicídio é, hoje, a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Entre os homens nesta faixa etária é o terceiro motivo mais comum; entre as mulheres, o oitavo.
De acordo com Fátima Marinho, diretora da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, o desemprego tem sido um fator de risco das tentativas de suicídio. Nos dois relatos que menciono no início do texto, inclusive, essa foi a motivação.
A relação entre trabalho (ou a falta dele) e a depressão
Você que tem um trabalho, está satisfeito com ele? Segundo levantamento do Instituto Locomotiva, 56% dos trabalhadores com carteira assinada no Brasil se dizem insatisfeitos com seus empregos. Some isso aos 12 milhões desempregados no país e temos um grupo gigantesco de risco.
Passamos a maior parte do nosso dia trabalhando. Os que não tem um trabalho, passam a maior parte do dia preocupados com isso –– ansiosos com o resultado de entrevistas de emprego ou pensando nas contas do final do mês.
Aí você entra em uma rede social e vê um sujeito que é coach e está tentando vender um curso, provavelmente, falando que basta você se esforçar e trabalhar duro para ter sucesso. Acordar às 5h da manhã, meditar, correr no parque.
De fato, as práticas citadas acima são ótimas para um vida mais equilibrada, porém, vender esse tipo de coisa como receita de sucesso é um desserviço para a nossa sociedade de forma geral. Ok, nem todos que produzem esse tipo de conteúdo são charlatões, muitos dão essas e outras dicas como “treine enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem, persista enquanto eles descansam, e então, viva o que eles sonham” não por charlatanismo, mas porque foi exatamente isso que eles fizeram –– e em seus casos funcionou.
Eu mesmo, quando percebi que meu antigo trabalho estava fazendo mal para a minha saúde mental, mergulhei no meu projeto de viver como nômade digital e chegava a trabalhar até 14 horas por dia para conciliar meu emprego de carteira assinada com os freelas que começavam a surgir. Porém, seria uma irresponsabilidade total da minha parte creditar apenas isso ao meu sucesso.
Existem diversas variáveis que me fizeram chegar onde cheguei. Variáveis que você não consegue aprender em um curso ou então enxergá-las nas minhas fotos ao redor do mundo publicadas no Instagram. Estar no lugar certo e na hora certa, por exemplo, foi algo que me ajudou muito –– e eu chamo isso de sorte, no final das contas.
Temos que entender que cada ser humano é único, cada um tem seus corres, cada um dá seus pulos. Ao vendermos fórmulas de sucesso colocamos a felicidade em uma caixa, como se ela não pudesse ser alcançada de outra maneira. Isso gera ainda mais ansiedade em quem não está mentalmente bem e pode gerar uma frustração que, muitas vezes, desencadeará uma depressão –– e até mesmo suicídio.
O empreendedorismo pode não ser a resposta que você precisa
Eu já fui sócio de startup e hoje, apesar de me considerar apenas um escritor, sou um empreendedor no sentido literal da palavra –– os freelas viraram algo maior e o matheusdesouza.com se tornou uma empresa de produção de conteúdo em diferentes áreas.
Isso significa que, apesar de fazer o que amo, que é escrever, passo boa parte do meu tempo resolvendo coisas burocráticas, respondendo e-mails e deixando boa parte dos meus ganhos com o governo. Já falei sobre isso em outro texto.
Ter seu próprio negócio e trabalhar por conta própria acaba se tornando o sonho de muitos profissionais que estão insatisfeitos em seus empregos. Porém, isso pode se tornar uma frustração ainda maior. Empreender pelas motivações erradas, apenas como uma forma de se demitir daquele emprego que você detesta, pode ser um tiro no pé.
Ser seu próprio chefe não é tão glamouroso quanto parece. Você se estressará bastante com situações que antes não faziam parte do seu dia a dia. Contratos, notas fiscais, contabilidade… Sem falar dos clientes –– ou da falta deles.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em três anos, 341,6 mil empresas foram fechadas no Brasil. A crise econômica que assombrou –– e segue assombrando –– o país é apontada como a principal culpada. Mas, vamos lá: a análise pode ser um pouco mais profunda. Nem todo mundo tem tato para os negócios. É comum empresas fecharem por culpa de seus donos ou gestores.
Se você está pensando em se demitir para abrir um negócio próprio, avalie se essa é realmente a melhor solução para a sua insatisfação com o trabalho. Uma mudança de setor dentro da empresa que trabalha ou, em último caso, uma mudança para outra empresa pode te ajudar. Antes de tentar empreender, entenda quais suas motivações para tal.
É comum nos contaminarmos por ambientes tóxicos e pensarmos que em todo lugar será assim, mas, acredite: tem muita empresa legal por aí para você trabalhar.
Não tenha vergonha de pedir ajuda
Conversas com estranhos geralmente começam com “o que você faz da vida?”. Mais do que um gatilho social, nossas profissões são vistas como status. Para um desempregado esse tipo de conversa pode ser bem dolorosa. A autoestima vai lá embaixo.
Lidar sozinh@ com o desemprego ou com a insatisfação no trabalho pode ser perigoso para a sua saúde mental. Procure ajuda. O ideal, claro, seria realizar sessões de terapia. Porém, nem todo mundo tem condições para tal, então conversar com amigos ou familiares pode ter um efeito positivo. Não tenha vergonha de pedir conselhos.
Por último, saiba que você não está sozinh@
As ligações de prevenção de suicídio feitas para o Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do número 188, passaram a ser gratuitas para todo o Brasil desde 1º de julho de 2018, após assinatura de um convênio com o Ministério da Saúde.
O CVV é uma associação civil sem fins lucrativos que trabalha com prevenção ao suicídio, por meio de voluntários que dão apoio emocional a todas as pessoas que querem e precisam conversar. Eles recebem treinamento adequado e não precisam ter formação em psicologia. Todas as ligações são sigilosas.
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