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​​1.

Após supostamente ter explorado a ilha tailandesa queridinha dos nômades digitais em uma motinho envenenada, desembarco no Aeroporto Internacional de Noi Bai em Hanói, Vietnã. É minha primeira vez no país e as expectativas estão lá em cima.

Já no táxi, observo pela janela a capital vietnamita com olhos de criança. Luzes estroboscópicas e painéis de neon no horizonte fazem Hanói parecer mais com “Blade Runner” (1982) do que com “Apocalypse Now” (1979) – dirigida por Wong Kar-wai e com trilha sonora de Angelo Badalamenti.

Pago a corrida com notas cheias de zeros e, no histórico bairro Old Quarter, coração de Hanói, finalmente sinto o que o saudoso chef, escritor e apresentador Anthony Bourdain sentiu quando desembarcou pela primeira vez no país pelo qual era apaixonado: os cheiros. Do escapamento das motos, das cumbucas fervilhantes de phở e bún chả, das velas e dos incensos. Amor à primeira cheirada.

Notas de um nômade digital apaixonado pelo Vietnã
Hanói, Vietnã. Abril de 2022.

2.

Bom dia, Vietnã. Enquanto senhoras com chapéus de palha vendem vegetais e pés de porco na calçada, tento atravessar um cruzamento. Tenho a sensação de que os sinais de trânsito por aqui não são obrigatórios; são apenas sugestões.

Vejo motos na contramão, motos estacionadas nas calçadas, motos circulando pelas calçadas, motos circulando pelas calçadas na contramão (!!!). Os números oficiais dizem que são 5 milhões de motos e 8 milhões de habitantes, mas a impressão é que sejam mais. Ou talvez elas sejam uma extensão dos próprios vietnamitas que, quando não estão sentados em suas motos – às vezes com duas ou mais pessoas equilibradas na garupa –, estão em banquinhos de plástico na calçada com suas sopas fervilhantes, dividindo o espaço com suas próprias motos e com outras que circulam na contramão.

Como Os Sombras, aqueles que fizeram sucesso no Domingão do Faustão em meados dos anos 1990, posto-me ao lado de uma família vietnamita e, finalmente, consigo chegar ao meu destino, o Bún chả Hương Liên, restaurante onde Barack Obama e Anthony Bourdain dividiram uma refeição em 2016.

Sentado na mesa 10 vejo como o lugar conseguiu aproveitar os seus 15 minutos de fama. As paredes agora são decoradas com fotos do encontro entre os dois e por 120 mil dongs vietnamitas (R$ 24 na cotação atual) é possível pedir o “Combo Obama” –bún chả, um rolinho primavera de frutos do mar e uma lata de Hanoi Beer, a cerveja local. Tento, sem sucesso, pedir uma versão vegetariana. Lembro-me de quando Bourdain disse que seu corpo não era um templo, mas um parque de diversões, e mando ver no bún chả original. Passo a noite no banheiro.

Cardápio do Bún chả Hương Liên, restaurante onde Barack Obama e Anthony Bourdain dividiram uma refeição em 2016.
Cardápio do Bún chả Hương Liên, restaurante onde Barack Obama e Anthony Bourdain dividiram uma refeição em 2016.

3.

Muito se discute entre meus comparsas nômades digitais sobre a diferença entre fazer turismo e viajar. Diz-se que os turistas, que geralmente estão em férias e compram pacotes de viagens com roteiros pré-estabelecidos, se deslocam em grupos e que, de forma ignorante – no sentido literal da palavra –, fazem comparações pouco elogiosas entre qualquer coisa que estejam vendo com o equivalente de suas cidades. Os viajantes, no entanto, supostamente se aventuram mais porque querem ter a experiência total do lugar, conversando com locais, provando comida de rua, andando sem rumo pelas cidades sem a obrigação de tirar fotos em pontos turísticos.

Após seguir os passos de Bourdain por Hanói, chego com os mesmos olhos de criança em Da Nang, região central do Vietnã. Pouco me lixando com a discussão entre fazer turismo e viajar, trato logo de comparar Da Nang com Florianópolis: praias lindíssimas com estrutura de cidade grande. O suficiente para eu me apaixonar.

Nos últimos anos, Da Nang tem se tornado um refúgio para nômades digitais que querem fugir de destinos saturados do Sudeste Asiático como Chiang Mai, na Tailândia, e Bali, na Indonésia. Basta uma caminhada pela orla de Mỹ Khê Beach para entender o porquê. Cafés climatizados, opções variadas de lazer e, não menos importante que tudo isso, um custo de vida bem mais em conta do que em Floripa. Ah, e os cheiros. Maresia misturada com… pizza. Peço uma quatro queijos no food truck hipster que obviamente vende cerveja artesanal. Acho que hoje durmo bem.

Texto originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 28/04/2022.

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Escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti.
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