As ruelas da pequena vila Tha Thon, em Chiang Mai, norte da Tailândia, são cercadas de matas e riachos onde elefantes circulam à vontade. Ao entardecer, a chuva abençoa a terra onde sorridentes mulheres com argolas douradas no pescoço cultivam seus vegetais. Elas são as Padaung, ou mulheres-girafa, pertencentes a uma tribo de origem nômade que fugiu do Myanmar no final dos anos 1980 devido a conflitos étnicos.
Apesar de o governo tailandês ter concedido a condição de refugiados para esta e outras tribos nômades, não é permitido que as Padaung deixem sua vila – uma espécie de zoológico humano onde turistas posam com as mulheres-girafa para fotos que serão publicadas em suas redes sociais.
Como a Tailândia não segue os regulamentos da ONU para refugiados, as famílias que ali vivem não conseguem obter a cidadania do país nem ter direito a serviços básicos. O valor do ingresso, que custa cerca de US$ 8, é dividido entre os proprietários das terras e o governo. As Padaung recebem um pagamento mensal de US$ 45 para sorrirem para as fotos e tentam vender seus artesanatos para os mais de 40 mil turistas que visitam a vila anualmente. Além de perderem sua mobilidade geográfica, essas tribos vivem hoje em um sistema análogo à escravidão.
Há 25km de Tha Thon, em uma realidade bem diferente, um coworking hipster no centro de Chiang Mai, tomo café com dois amigos brasileiros que fazem parte de uma outra tribo nômade. Bruno Clozel é sócio de uma loja de roupas e acessórios e Juliana Saldanha é estrategista de marcas pessoais. Apesar de trabalharem em áreas diferentes, ambos têm em comum o fato de tocarem seus negócios pela internet. O encontro aconteceu no início de 2020, antes da pandemia de Covid-19 fechar a maioria das fronteiras internacionais.
Diferente da realidade retratada em “Nomadland”, filme da cineasta Chloé Zhao que foi o grande vencedor do Oscar 2021, ou das mulheres-girafa de Tha Thon, os novos nômades são digitais e trabalham de forma remota enquanto viajam pelo mundo. Com a descoberta do trabalho remoto por muitos profissionais durante a pandemia, a tendência é que a tribo dos nômades digitais ganhe novos adeptos nos próximos anos.
Um estudo realizado pela Corona em parceria com a Box1824 e o The Summer Hunter mostrou que a quantidade de brasileiros trabalhando de forma remota subiu de 1,2 milhão em 2019, antes da pandemia, para 8,9 milhões em 2020, durante a pandemia. De acordo com a pesquisa, 94% das empresas afirmam que atingiram ou superaram suas expectativas de resultados com o home office e 73,8% delas pretendem instituir o trabalho remoto como prática definitiva após a pandemia.
Com um número cada vez maior de pessoas trabalhando pela internet, os nômades digitais entraram no radar de países que perceberam como esses viajantes podem movimentar a economia local. Quando lancei meu livro “Nômade Digital“, em 2019, nenhum país oferecia um visto específico para nômades digitais, que ficavam em um limbo entre o visto de turista e o de negócios. No entanto, isso está finalmente começando a mudar: 14 países, incluindo ilhas caribenhas paradisíacas, como Barbados e Bermudas, e os europeus Croácia e Estônia, criaram vistos específicos para nômades digitais, oferecendo uma série de benefícios para estes profissionais.
Porém, assim como as mulheres-girafa que não podem deixar a vila de Tha Thon, no momento os nômades brasileiros estão com sua mobilidade geográfica restrita. Segundo a agência de viagens Skyscanner, devido aos números da pandemia no Brasil, apenas 7 países estão abertos para brasileiros com restrições leves – outros 101 estão com restrições moderadas e o restante com suas fronteiras fechadas.
Após o Covid-19 matar nos 4 primeiros meses de 2021 mais brasileiros do que em todo o ano de 2020, um novo encontro com meus amigos nômades Bruno e Juliana parece cada vez mais distante. Se puderem, fiquem em casa.