“Cara, o que você foi fazer na Etiópia?”, um amigo pergunta após eu postar no Instagram um story em Adis Abeba, capital do país africano.
Em julho de 1985, alguns dos maiores nomes da música mundial da época uniram forças no Live Aid, evento com o objetivo de arrecadar fundos a fim de acabar com a crise alimentar da Etiópia. Estima-se que mais de 1 milhão de etíopes tenham morrido de fome na década de 1980.
Quando você ouve falar sobre a Etiópia, essa é a imagem que muitos, como meu amigo, tem do país; crianças desnutridas com barrigas dilatadas morrendo de fome. Mas, as coisas têm mudado.
Berço do Homo sapiens e dos grãos de café, o país teve um crescimento chinês nas duas últimas décadas. Entre 2003 e 2019, antes da pandemia de Covid-19, a Etiópia registrou taxas anuais de crescimento que oscilaram entre 8% e 12%, sendo o país que mais cresceu no mundo neste período, ganhando o apelido de “China da África”.
Essa não é a primeira vez que a Etiópia passa por um surto de crescimento. Na década de 1950, o imperador Haile Selassie, conhecido como o “rei dos reis”, investiu pesado em grandes obras públicas que deveriam ser um legado para as gerações futuras. Porém, a última vez que a Etiópia ganhou as manchetes mundiais foi por causa de suas crianças esqueléticas morrendo de fome. E, para muitos de nós, incluindo meu amigo, o país se resume a isso.
Nosso voo aterrisa no recém-reformado aeroporto internacional de Adis Abeba perto da hora do jantar. Passamos sem problemas pela imigração, mas, ao nos aproximarmos da esteira de bagagens, um simpático oficial pede que eu e minha namorada o acompanhe.
– Entrem naquela sala à esquerda, por favor. Preciso verificar suas mochilas.
A sala é o controle antidrogas do aeroporto. Um outro oficial, não tão simpático, vasculha nossas mochilas enquanto nossas mãos suam mesmo sabendo que não trazemos nada de ilegal conosco.
– Podem seguir. Bem-vindos à Etiópia!
Uma van do hotel nos espera no estacionamento. O último passageiro embarca cerca de meia hora após a nossa chegada e, assim que o motorista dá a partida, grudo na janela com olhos de criança. Quero absorver o máximo possível dos quinze minutos de trajeto.
Grandes construções, acabadas ou não, barraquinhas com comida de rua, painéis de neon em becos escuros, muito neon, cafés hipsters de um lado da rua, pessoas morando em barracas do outro.
Nosso quarto nos transporta para os anos 1990. Carpete, móveis de mogno e um cheiro que mistura colônia barata com cigarro. É hora do jantar. Me sirvo com um pouco de arroz, ovos mexidos, cogumelos, batatas e vegetais que não consigo identificar.
Quando acordo na manhã seguinte, às 5h, o sol ainda não apareceu. O interfone do quarto 305 toca às 5h30. Hora do café. Panquecas recheadas com ovo e bolo que, de forma exagerada, pego três pedaços. Espeto o garfo e sinto que meus pedaços de bolo estão duros, provavelmente velhos. Na primeira bocada tiro o “provavelmente” da frase. Estão velhos. 3 ou 4 dias, talvez. Meu primeiro impulso é deixar o bolo de lado e comer apenas a panqueca, mas lembro que estou na Etiópia. A consciência pesa e evito o desperdício.
Estamos de volta na van para mais quinze minutos de estrada. Ainda está escuro, então a paisagem é a mesma da noite anterior. O motorista, no entanto, é outro e faz os quinze minutos em apenas dez. Chegamos ao aeroporto sem ver nada de novo no caminho.
No raio-x sou escolhido para uma nova revista. Devo ter cara de traficante internacional de drogas. Talvez seja o cabelo comprido, talvez sejam as tatuagens. Ou os dois. Ou, sei lá, como é a cara de um traficante internacional de drogas?
O oficial de imigração carimba nossos passaportes e seguimos para a sala de embarque. São 8h30 quando nosso voo decola para a África do Sul. Infelizmente, foi só isso que eu fui fazer na Etiópia.
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