6 jogos, 6 vitórias, 18 gols marcados e apenas 1 sofrido. Estes são os números de Adenor Leonardo Bacchi, o Tite, no comando da Seleção Brasileira de futebol. O gaúcho de Caxias de Sul levou seus comandados do sexto lugar das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018 para a liderança absoluta e incontestável da América do Sul.
Apenas o time formado por Pelé, Tostão, Carlos Aberto Torres e cia, antes da Copa do Mundo de 1970, havia conquistado 6 vitórias seguidas em uma mesma edição das Eliminatórias. É difícil entender como Tite transformou um time que estava em frangalhos e totalmente sem confiança após o fatídico 7×1, numa equipe que quebra recordes enquanto encanta seus torcedores e, até mesmo, seus adversários — como o zagueiro alemão Mats Hummels, que estava em campo no Mineiraço de 08 de julho 2014.
“Vejo alguns jogos do Brasil, mas só vi os gols contra a Argentina. Acho que eles têm um time impressionante, integrando alguns jovens que não estavam lá há dois anos. Acho que o Brasil está de volta ao topo”. Mats Hummels, um dos algozes brasileiros no 7×1, em entrevista para o site da FIFA.
Desde criança sou apaixonado por futebol. Não apenas pelo jogo em si, mas também pelas estratégias e táticas montadas pelos treinadores para baterem seus oponentes. Um dos meus games favoritos é o clássico Football Manager, onde temos a oportunidade de gerirmos um time em todas suas minúcias, desde a preparação para os jogos até à negociação de contratos e formação do elenco.
Talvez devido à isso eu tenha me interessado tanto pelo modelo de gestão de Tite. Sim, modelo de gestão. O gaúcho Adenor não é um simples treinador, ele é um gestor de pessoas. Ou “gestor de mundos“, como seu comandado Daniel Alves o chama carinhosamente.
Seu sucesso não veio por sorte ou acaso e, com muito trabalho duro e perseverança, talvez você consiga replicá-lo em sua realidade. Passei as últimas semanas procurando padrões nos times pelos quais Tite passou e lendo entrevistas de jogadores que trabalharam ou trabalham com o treinador/gestor no dia a dia. Dito isso, reuno aqui as lições que aprendi observando e pesquisando seu modelo de gestão.
Dedicação e trabalho duro
Antes de ser treinador, Tite foi jogador. Teve a carreira abreviada em 1989, aos 28 anos, após sofrer com uma série de lesões. A paixão pelo futebol o levou para a beira dos gramados no ano seguinte. Em 1990 iniciaria sua trajetória como treinador.
Porém, o sucesso demorou. Foram 10 anos de dedicação e trabalho duro até que Tite conquistasse seu primeiro título relevante. Com o Caxias, time de sua cidade natal, foi Campeão Gaúcho. No ano seguinte, dirigindo o Grêmio, conquistou a Copa do Brasil. Foram 7 anos até o próximo título, a Copa Sul-Americana de 2008 com o Internacional.
Em 2011, com o Corinthians, começaria sua consagração. Campeão Brasileiro, da Libertadores, do Mundial, da Recopa Sul-Americana e Paulista num período de três anos. Ainda venceria o Brasileirão mais uma vez com o time paulista, em 2015, após um período sabático na Europa em 2014.
Em junho de 2016, realiza o sonho de qualquer treinador ao ser anunciado como o novo comandante da Seleção nacional. Após 26 anos de muita dedicação e trabalho duro, Tite chega ao auge. Mas não pense que ele irá parar por aí… Comodismo é algo que sempre passou longe do seu currículo.
Sempre presente
Se você ler qualquer livro sobre administração ou frequentar um MBA, aprenderá que um líder conquista a confiança e a lealdade de seus subordinados através do exemplo. Ele deve estar sempre presente e ser um influenciador.
A rotina de Tite na Seleção Brasileira incluiu um fato curioso que deveria ser normal não só num time de futebol, mas também nas empresas. O treinador, diferente de seus antecessores, bate ponto na sede da CBF, no Rio de Janeiro, das 10h às 19h. Por lá, assiste partidas dos jogadores brasileiros espalhados pelo mundo, conversa com eles através do WhatsApp e, principalmente, estuda minuciosamente seus adversários — ou você acha que o fato de Lionel Messi ter sido anulado no confronto contra a Argentina foi mera coincidência?
Nos treinamentos, costuma oferecer feedbacks positivos ou negativos aos jogadores, explicando onde estão acertando e onde precisam melhorar. Durante a preparação para o jogo contra a Bolívia, uma cena em particular chamou a atenção. Tite observou Willian e Philippe Coutinho saindo juntos do treino e os chamou congratulando-os pelo fato de saírem abraçados da atividade. A dupla disputava uma vaga no time titular. O treinador, em alto e bom som, fez questão de enfatizar que o gesto era sinônimo de respeito e lealdade, mostrando o tipo de conduta que espera de seus comandados.
“Estou acostumado com o Tite desde a época do Internacional. Ele é uma excelente profissional e tem por índole ser justo e honesto. Gosta de conversar olho no olho, anunciando suas decisões. Foi assim que fez com Willian e Philippe (Coutinho), mostra que todos têm capacidade de ser titulares. Essa briga por posição é o que nos motiva. Eu fico feliz que ele incentive o grupo. É o que vai fazer com que todos deem seu melhor”. Giuliano, jogador do Zenit, da Rússia, em entrevista para O Globo.
Respeito à individualidade
Depois do vexame na Copa do Mundo de 2014, muita gente sugeriu que os 23 atletas que fizeram parte daquele grupo nunca mais fossem convocados para a Seleção Brasileira. De lá pra cá, 15 deles tiveram novas chances. Em sua última convocação, para os duelos contra Argentina e Peru, Tite chamou 7 jogadores que participaram do maior fiasco da história da Seleção. Fernandinho, um dos mais criticados naquele jogo contra a Alemanha, inclusive, foi o escolhido para capitanear o time na última partida das Eliminatórias.
Na opinião de Daniel Alves, que vive excelente momento na Seleção e recentemente completou 10 anos vestindo a amarelinha, a grande diferença para seu treinador antecessor, o também gaúcho Dunga, é que Tite consegue sacar o melhor de cada um. Nas palavras do lateral em entrevista para o Programa do Porchat, seu comandante tem a capacidade de “se conectar com o ser humano“, ou seja, Tite consegue identificar e aproveitar o melhor de cada profissional, respeitando suas individualidades através da empatia.
“O Tite é um grande gestor, para mim o Tite é mais um grande gestor do que um sensacional treinador. Esse é o que difere ele dos outros, porque sensacionais treinadores tem bastante, sensacionais gestores (balança a cabeça), tenho dúvidas. E isso tem um peso grande, porque eu volto a insistir: você trabalha com mundos diferentes. Eu penso de uma maneira, o Ney pensa de outra, o Thiago pensa de outra, o Gil ou qualquer outro jogador pensa de outra maneira. É esse mundo você tem que gerir. Por quê? Porque estamos ali pra pegar mundos diferentes e harmonizar. Exatamente! Isso ele faz à perfeição. E eu acredito que essa é a diferença dele com os outros, porque os outros são grandes treinadores, mas, no meu modo de pensar, o Tite é um melhor gestor, não melhor treinador”. Daniel Alves, 10 anos vestindo a camisa da Seleção Brasileira, em entrevista para o Esporte Espetacular.
Saber se reinventar
Você é o treinador do segundo time mais popular do Brasil — os amigos corinthianos que me desculpem, mas quem escreve é um flamenguista — e conquista todos os títulos nacionais e sulamericanos possíveis. Para muitos, essas credenciais seriam suficientes para buscar a tão sonhada estabilidade — algo raro na profissão de treinador.
Mas, Tite não é o tipo de cara que se contenta com a zona de conforto. Ao sair do Corinthians, poderia ter ido ganhar caminhões de dinheiro na China ou em algum país do Oriente Médio. Fazer o famoso pé de meia como tantos outros.
Porém, o gaúcho sonha ganhar o mundo. Além do sonho que está realizando ao comandar a Seleção Brasileira, Tite, em entrevista ao narrador Galvão Bueno, falou sobre sua vontade de treinar algum time europeu.
“(…) mais especificamente num time italiano, por conta da língua. Espero que eu possa ter uma oportunidade e vou me preparar especificamente para que eu possa ter essa chance no futuro”. Tite, em papo com Galvão Bueno para o Esporte Espetacular durante sua segunda passagem pelo Corinthians.
A preparação, citada na entrevista, começou em 2014. Após encerrar seu primeiro vínculo com a equipe do Corinthians, Tite passou por um período sabático na Europa. O treinador aproveitou esse tempo para renovar sua visão sobre o futebol a partir de experiências com grandes nomes do meio futebolístico, entre eles, o italiano Carlo Ancelotti, atual comandante do Bayern de Munique. Na época, Ancelotti dirigia o Real Madrid, onde Tite buscou, com humildade, conhecer e aprender tudo aquilo que não dominava durante um período de estágio no time espanhol.
Gerir uma equipe requer aprendizado contínuo. Muitos líderes, ao alcançarem um determinado patamar, pecam ao se acomodarem. Julgam que continuar fazendo o que sempre fizeram garantirá um resultado positivo. Ao voltar renovado para o Brasil e para o Corinthians, em 2015, Tite foi mais uma vez Campeão Brasileiro. O resto da história estamos conhecendo nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018.