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Em um país com 10 milhões de desempregados e onde aqueles que estão empregados muitas vezes trabalham apenas para ter o básico e pagar as contas, o discurso de “trabalhar com o que ama”, além de irrealista, talvez soe perigoso – tanto para quem não consegue isso quanto para aqueles que conseguem.

Para o primeiro grupo de profissionais os motivos são bem óbvios. A frustração em não se trabalhar com o que ama, ou sequer saber o que se ama, pode desencadear problemas relativos à saúde mental.

Agora, o que não te contam sobre trabalhar com o que ama é que nem tudo são flores. Aliás, a realidade está bem longe disso. A famosa frase “escolha um trabalho que você ame e não terás que trabalhar um único dia em sua vida”, supostamente atribuída a Confúcio, filósofo chinês que viveu antes de Cristo, parece não se aplicar aos dias atuais.

A rotina de quem trabalha com o que ama no século XXI

Felizmente, descobri cedo o que amava. Aos 23 anos eu tinha certeza que queria ser escritor. Me faltava, no entanto, descobrir como ganhar dinheiro com a escrita. Isso aconteceu apenas três anos depois. Passada uma década, a escrita é fundamental para que eu pague minhas contas. Escrever, no entanto, é a coisa que menos faço.

Quando você consegue monetizar sua paixão, independentemente de trabalhar de forma autônoma ou abrir uma empresa com funcionários, cria automaticamente novas responsabilidades e atividades não tão prazerosas.

Ok, você que me lê agora e detesta seu trabalho pode comentar para eu experimentar trabalhar com algo que detesto. Trabalhei por anos, sei exatamente como é, o ponto aqui não é fazer comparações, mas evitar frustrações de quem está buscando pagar suas contas com a sua paixão.

Digo isso porque ao escolher um trabalho que amo, diferente do que sugere Confúcio, muitas vezes meu expediente dura mais horas do que antes de a escrita pagar minhas contas. Entendo que o sentido da frase é sobre sentir prazer ao trabalhar, mas o que Confúcio (ou o verdadeiro autor da frase, vai saber) não sabia naquela época é que hoje, no século XXI, quem faz o que ama passa a maior parte do seu tempo fazendo coisas não prazerosas como responder e-mails, lidar com contratos, finanças, planejamento e se fazer disponível para seus clientes.

Não que no final das contas isso não valha a pena. Não me entenda mal. Eu realmente amo o que faço e não trocaria minha carreira por outra. O problema aqui é que muita gente acaba se frustrando ao descobrir que trabalhar com o que ama não é prazeroso 100% do tempo. Talvez não seja nem 50% do tempo. E, de novo, sem comparações com quem sente 0% de prazer trabalhando.

Como não transformar o que você ama num fardo

Quando você não tem essa noção, ou então não percebe cedo que precisará lidar também com essas atividades não prazerosas, fazer o que ama pode se tornar um fardo.

Se o seu negócio vai bem, uma dica é terceirizar tudo aquilo que não te dá prazer ou que você não é bom. Isso aliviará sua mente e você terá mais tempo para fazer aquilo que realmente gosta.

Agora, se você não tem condições de pagar outros profissionais para te ajudarem, separe horas específicas do seu dia, aquelas onde você se sente menos produtivo, para fazer essas atividades que não gosta. Reserve o tempo onde você se sente mais ativo para fazer aquilo que realmente ama.

Por exemplo, eu me sinto mais produtivo e criativo pela manhã. Assim que acordo sigo a rotina de tomar café e escrever. Depois do almoço, quando sinto que minha energia está reduzida, faço coisas não tão legais como responder e-mails, gerenciar minhas redes sociais e lidar com burocracias.

Na minha opinião, a de alguém que trabalha com o que ama, ter esse entendimento das suas novas responsabilidades e, principalmente, de como você pode usar seu tempo de forma mais produtiva, não o fará ter a sensação de que seu trabalho não é trabalho, como sugere a frase de Confúcio, mas certamente o tornará mais leve.


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Escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti.
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