Em 1997, um cientista da computação japonês chamado Tsugio Makimoto previu uma revolução. Ele lançou “Digital Nomad”, livro praticamente ignorado pelo público e pela crítica, onde escreveu, num trecho quase premonitório, que “redes sem fio de alta velocidade e dispositivos móveis de baixo custo quebrarão o vínculo entre ocupação e localização”. Vinte e cinco anos depois, estou em algum ponto remoto do Golfo da Tailândia entre Surat Thani e Koh Phangan, a ilha queridinha dos nômades digitais, utilizando meu celular como roteador para escrever e enviar um texto em meu laptop para um cliente no Brasil.
É justo dizer que a pandemia acelerou a transformação digital prevista por Makimoto, mas muitos dos nômades digitais que desembarcam comigo no píer de Thong Sala estão na estrada há alguns anos –eu mesmo quebrei o vínculo entre ocupação e localização num já longínquo 2017.
O holandês Pieter Levels, fundador do Nomad List, base de dados sobre destinos ao redor do mundo, é o que os startupeiros de plantão chamam de “early adopter” do nomadismo, ou seja, ele é nômade digital desde quando tudo era mato –2013. Segundo Levels, que assim como este que vos escreve está agora em algum ponto remoto da Tailândia, até 2035 serão 1 bilhão de nômades digitais quebrando o vínculo entre ocupação e localização e utilizando redes sem fio de alta velocidade para executarem seus trabalhos ao redor do mundo.
Vamos supor, apenas supor, que eu tenha alugado uma motoneta (conhecida no Brasil também como scooter) assim que deixei o píer de Thong Sala. De acordo com os depoimentos de outros nômades digitais no Nomad List de Levels, este é o melhor jeito de se locomover em Koh Phangan.
As leis tailandesas dizem que os farangs, como são chamados os estrangeiros por aqui, não podem dirigir no país. Carteiras de motorista estrangeiras ou carteiras internacionais não são aceitas, nem mesmo no caso de turistas de passagem. Agora vamos supor, apenas supor, que o sujeitinho da locadora –que também funciona como restaurante, lavanderia e agência de turismo– não tenha implicado comigo, de modo que eu, que até então nunca havia pilotado nada com duas rodas mais potente do que um patinete elétrico, e que sequer tenho habilitação para tal, juntei-me, com minha companheira na garupa, ao mar de motociclistas circulando pela ilha. Tudo, obviamente, uma grande suposição.
Largo minhas coisas no bangalô cercado pela mata nativa e sigo para o Capara, café hipster onde os nômades digitais costumam levar seus laptops caros com o logo da maçã para trabalhar. Lá encontro Leandro e Vitor, dois brasileiros que também quebraram o vínculo entre ocupação e localização. Leandro ganha a vida com infoprodutos; Vitor está em período sabático e investe em criptomoedas.
Além da velocidade da internet, da suposta mobilidade em motonetas e dos cafés hipsters, Koh Phangan atrai nômades digitais do mundo inteiro por conta do seu custo-benefício. É possível encontrar bangalôs na beira de paraísos idílicos com diárias a partir de R$ 80 e refeições que custariam R$ 100 em São Paulo por R$ 10 (como pad thai com frutos do mar). Para quem é vegetariano, além da variedade de opções, alimentar-se é ainda mais barato.
Se você é da vibe tilelê paz & amor saudável, Koh Phangan talvez seja a sua Meca. Você pode praticar todos os tipos de ioga, meditar, fazer voto de silêncio e entrar em contato com a natureza. Se fizer o tipo rolezeiro, Koh Phangan talvez seja a sua Ibiza hipster. Malabares de fogo na praia, festas eletrônicas, looks estilosos e, claro, a famosa Full Moon Party –que, cá entre nós, é muita onda para pouco surfe.
Porém, segundo apurei, seja você tilelê, rolezeiro ou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior, um dos maiores prazeres de Koh Phangan é dirigir uma motoneta sentindo o vento na cara até Zen Beach e curtir o pôr do sol em tons roxos e alaranjados. Supostamente, é claro.
Texto originalmente publicado na Folha de S.Paulo em 14/04/2022.