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Essa semana li uma publicação no LinkedIn sobre a eterna discussão de como se vestir numa entrevista de emprego. Dias antes já havia me deparado com um debate sobre tatuagens em lugares visíveis. Confesso que fiquei surpreso ao perceber que em 2018 ainda tenhamos que discutir questões como essas.

No meu entendimento, a melhor roupa é aquela que faz com que você se sinta bem consigo mesmo. E isso serve para tatuagens, piercings e qualquer outra transformação corporal. Afinal, cada ser é único. Essa tentativa de padronizar o modo como devemos nos expor para o mundo, além de criar pessoas sem identidade e personalidade, abre uma margem perigosa para preconceitos contra quem não faz parte do “clubinho”.

A fina linha tênue que separa suposições de preconceitos

Como nômade digital tenho a oportunidade de conviver com pessoas de culturas completamente diferentes. Conheci gente com muito dinheiro que foge completamente do estereótipo visual (e preconceituoso) que temos de pessoas ricas. Gente que se veste da maneira que lhe convém, sem ligar para o que está na moda ou na etiqueta.

Essa semana em Roma, na Itália, onde moro desde a metade final de abril, pude sentir na pele como esses estereótipos podem realmente fazer diferença na forma como somos tratados.

Eu e minha esposa estávamos num restaurante com vista para o Coliseu. O lugar não era lá grandes coisas, mas por causa da sua localização os preços eram um pouco salgados. Ao nosso lado estava um casal de jovens que provavelmente deveria ser de algum país escandinavo. Loiros, olhos azuis e pele muito branca. Ambos trajados de forma impecável. O rapaz com o cabelo milimetricamente penteado para trás e com a barba feita. A menina parecia ter saído da Vogue. Um estereótipo perfeito de gente rica.

Este cara sou eu. Boné, cabelão, barba por fazer e camiseta do Nirvana.

Nós e o casal ao lado terminamos nossas refeições quase que ao mesmo tempo.

Assim que retirou pratos, talheres e copos da nossa mesa, o garçom com cara de poucos amigos prontamente trouxe a conta. Não falou uma palavra e saiu.

Pouco tempo depois, na mesa ao lado, o mesmo garçom, agora com um semblante totalmente diferente, perguntou se o casal do estereótipo rico queria mais alguma coisa, ofereceu a carta de vinhos e ficou de papo com eles. Deu até dicas de passeios.

Não fiquei bravo. Eu no lugar do cara talvez fizesse o mesmo. Esse casal realmente parecia ter dinheiro. Se bem tratados provavelmente passariam mais tempo no restaurante. Mas, lembram quando falei que viajando o mundo tenho conhecido muita gente rica que foge do estereótipo visual que estamos habituados?

Bom, esse definitivamente não é o meu caso, mas essa diferença no tratamento do garçom expõe as mazelas de como aparências, estereótipos e preconceitos nos cegam. Suposições são um mal desde que o mundo é mundo e, no mundo dos negócios, podem causar prejuízos para as empresas.

Certa vez, quase fui contratado por causa de um terno

Por outro lado, por causa de um terno, uma dupla de entrevistadores atrapalhados supôs que eu era o que não era – ok, eu tenho minha parcela de culpa.

Participei de poucas entrevistas de emprego na minha vida. Duas ou três, talvez. E aí você pode argumentar que não tenho experiência para dizer o que você deve ou não vestir numa entrevista de emprego.

E não tenho mesmo. Mas, vivi uma situação onde por pouco uma empresa não cometeu um erro tremendo ao me contratar por causa de… um terno!

Sim, me contratar seria um erro, que vou explicar adiante, mas eu estava tão na beca que quase consegui o tal emprego.

O contexto era o seguinte:

O ano era 2014, eu tinha 25 anos e, embora empregado, estava de olho no mercado. Uma vaga chamou minha atenção e decidi me inscrever no processo seletivo. Era um cargo de nível alto, salário bem maior do que eu ganhava na época e um plus de fazer viagens internacionais de tempos em tempos para prospectar no mercado externo.

O problema era que eu não tinha experiência alguma naquilo e, tirando a parte das viagens, eu absolutamente não tinha perfil para a vaga. Seria um erro me contratar. Mesmo. Porém, para a minha surpresa, fui chamado para a entrevista.

Dada a importância do cargo, me preparei para causar uma boa impressão. Vesti meu melhor (e único) terno, ensaiei respostas para as perguntas mais comuns em entrevistas de emprego e… não fui eu mesmo! Aquele terno, naquele momento, era uma representação não de quem eu era, mas de quem eu queria que aquelas pessoas achassem que eu fosse. Louco isso, né?

Pois bem, recebi um telefonema na semana seguinte em que fui informado que, no momento, não seria contratado, mas fui questionado se gostaria de deixar meu nome a disposição para outras oportunidades. Deixei.

Alguns meses depois, por meio de um amigo que trabalhava nessa mesma empresa na época, fiquei sabendo que fui o único candidato a se apresentar trajando terno e que isso “mexeu” com os entrevistadores. Sim, mais do que o meu currículo, que não era lá grandes coisas na época, e do desempenho na entrevista, o modo como me vesti causou impacto.

Eu só não fui contratado porque um dos candidatos tinha um currículo impressionante e experiência na área. Sabem o que fez os entrevistadores balançarem entre nós dois mesmo ele tendo o perfil ideal para a vaga? O cara se apresentou na empresa de camiseta básica e calça jeans…

Percebem o que há de errado aqui?

Atribuir características inferiores, suposições comportamentais ou definições genéricas a uma pessoa por sua aparência é uma das definições de como o preconceito funciona.

E, neste caso, por muito pouco o preconceito não custou caro para essa empresa. Eles trocariam um profissional gabaritado que veste camiseta e calça jeans por um cara num terno que não tinha perfil para a vaga – e nem se vestia assim no dia a dia…

Zuckerberg e seu “terno de pedir desculpas”

Foto: Chip Somodevilla/Getty Images

Eu estava nos Estados Unidos quando Mark Zuckerberg trocou sua tradicional camiseta cinza e sua calça jeans por um terno para se explicar no Congresso americano sobre o escândalo do vazamento de dados dos usuários do Facebook.

A piada por lá era que Zuck estava trajando seu “terno de pedir desculpas“. Mas, o porquê do traje vai muito além disso.

“Como gesto simbólico, o recado foi um primor”, disse Alan Flusser, alfaiate em Nova York e autor de “Clothes and the Man”, ao The New York Times.

Com ele, o fundador do Facebook passou aos Senadores desconfiados a impressão de que reconhece a responsabilidade daquele encontro e leva a proteção dos dados dos usuários a sério.

Como Vanessa Friedman bem disse no jornal gaúcho Zero Hora, “foi como se ele se rendesse à interpretação geral de que aquele era um momento ‘compenetrado’ porque, na iconografia das roupas, o terno é a vestimenta do adulto, enquanto a camiseta é a do adolescente, do desocupado, do violador de regras“.

Aparecer no Congresso americano trajando uma camiseta cinza e uma calça jeans não seria bom para a imagem de Zuckerberg. Isso é o que diz o senso comum, pelo menos. Mas, por que isso?

O velho preconceito. Essa é mais uma suposição comportamental que ultrapassa aquela fina linha tênue.

A camiseta cinza em questão não é qualquer camiseta, aliás. Elas são da Brunello Cucinelli, marca italiana especializada no que pode ser chamado de “casual utópico”, com preços a partir de US$295 (pela camiseta). Sim, as camisetas do Zuck são mais caras que muito terno de executivo por aí. Mas, e mesmo se não fossem, who cares? Deixa o cara vestir o que ele quiser, ué.

No final das contas, as pessoas ligam tanto para as aparências que o destaque do depoimento de Mark Zuckerberg, que é algo extremamente sério e de interesse público, foi seu terno, não suas respostas para os Senadores.

O que você acha sobre tudo isso?

Essa reflexão, obviamente, é uma opinião pessoal baseada nas minhas vivências. Eu, aliás, usaria ternos mais vezes se o Brasil não fosse um país tropical e eu viajasse o tempo todo levando apenas uma mochila nas costas. Aqui na Itália há alfaiatarias incríveis, mas, por enquanto, sigo de camiseta e calça jeans.

Agora quero saber a sua opinião. Conta aí nos comentários:

Como você enxerga isso na sua empresa ou no seu segmento profissional? A aparência importa tanto assim ou é coisa do passado?

Escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti.
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