Serafín Fernandéz Mederos Layola, 70 anos.
Shirley Elena Alonso Bosc, 69 anos.
Naturais do vizinho Uruguai, em 09 de abril deste ano completam 40 anos ininterruptos vivendo no Brasil.
Ambos são formados em Gestão de Negócios de Hotelaria e Turismo. O Serafín com Especialização em Ecoturismo e Turismo de Aventura e a Shirley em Governança. Por 10 anos trabalharam como Guias de Turismo no estado do Maranhão. Hoje, vivem na cidade de Pinheiro (MA), conhecida por ser a terra natal do político José Sarney, onde trabalham num Parque Hotel em troca de, nas palavras de Serafín, teto e alimentação.
Nestas quatro décadas em solo tupiniquim não conseguiram grandes realizações financeiras. O patrimônio dos dois é composto por contribuições acadêmicas e muito trabalho duro. São um casal de idosos sem filhos, sem casa, sem aposentadoria, sem emprego formal e sem compromissos. E isto estava tirando o sono de Serafín.
Meses atrás acordou no meio da noite pensando como seriam suas vidas daqui pra frente. Foi então que percebeu que, enquanto ficasse em sua zona de conforto, lamentando-se pela velhice e pela sua falta de sorte, nada iria acontecer a não ser ficar mais velho, sendo cada vez mais difícil deixar um legado. Sabia que ele e Shirley precisavam se libertar da clássica vida da Terceira Idade que, segundo Serafín, é monótona e sem emoção — jogar dominó na praça, fazer crochê e brincar com os netos, brinca e frisa que não tem nada contra os idosos que fazem isso. Questão de escolhas.
Sem nenhum tipo de patrimônio material a não ser uma moto Honda CG 160 Titan, comprada através de um financiamento bancário, Serafín e Shirley se viram nas condições ideais para deixar para trás e sem remorso toda a existência anterior para começar do zero uma nova vida cheia de emoções. Eles queriam mostrar para o mundo que a vida não acaba após os 70 anos e que tudo depende de não se deixar levar pelas regras de uma sociedade que, na opinião de Serafín — e concordo com ele —, descarta seus idosos.
Apaixonados por aventuras e esportes radicais, Serafín e Shirley, num estalo de lucidez senil resolveram, sem mais nem menos, romper as correntes que os aprisionavam para cruzarem o Brasil e o mundo com sua Honda CG 160 Titan.
“Vamos apenas realizar a nossa vontade sem ter que agradar nem dar satisfação a ninguém, agora é a hora de ir atrás do nosso sonho, da nossa grande aventura, viajar de moto pelo mundo sem pressa e por onde a estrada nos levar, conhecendo pessoas, histórias de vida, lugares e culturas diferentes”.
A vida que vale a pena ser vivida
No início do ano li uma obra fantástica do professor Clóvis de Barros Filho. Em “A vida que vale a pena ser vivida“, o autor oferece diversos pontos de vista filosóficos para todos aqueles que já descobriram que a soberania para deliberar sobre a própria vida, com todos os riscos, é nosso único e verdadeiro patrimônio.
Ao conhecer a história de vida de Serafín e Shirley, logo percebi que o casal atingiu a sabedoria que vem com a idade. Eles entenderam qual o verdadeiro patrimônio em nossa passagem por esta vida e o porquê ela vale a pena ser vivida.
Serafín me disse que finalmente compreenderam que o que realmente vale é o ser — e não o ter. E que, por sinal, isso é a única coisa que levamos para o outro lado junto com as nossas escolhas. Todo o resto fica aqui. Por mais que, na teoria, saibamos disso desde muito jovens, é apenas “quando a água bate na bunda” que entendemos o sentido real por trás de frases clichês que circulam por aí. E uma dessas frases, inclusive, foi responsável pelo seu despertar.
O “motochilão” e o grande sonho
A ideia do “motomochilão“, termo cunhado por Serafín que mistura as palavras “motocicleta” e “mochilão“, foi influenciada por uma frase e um vídeo que, juntos, se traduziram como um despertar para a vida.
“Cada sonho que você deixa pra trás é um pedaço do seu futuro que deixa de existir“.
A frase acima, creditada à Steve Jobs, juntamente com o famoso vídeo motivacional do TC Bank de Taiwan que narra a história de um grupo de idosos que decide cruzar seu país a bordo de suas motocicletas — e você pode assistir logo abaixo — inspiraram Serafín a ir de encontro com uma antiga paixão e, com a cumplicidade de sua companheira, a Dona Shirley, dar início ao planejamento da epopeia em duas rodas ao redor do globo.
“E nada melhor para exteriorizar esta sensação de liberdade que voltou a palpitar dentro de nossos corações do que largar todo o pouco que ainda tínhamos e botar o pé na estrada apenas com o que a moto puder carregar. Ela vai ser a nossa casa pelos próximos anos e o acostamento das estradas o nosso quintal.
Nós decidimos, no limiar dos nossos 70 anos, criar o Projeto My Big DreaM, o qual, mais do que um novo start up em nossas vidas, é um grito de liberdade!
Foi esta a forma que encontramos para dizer ao mundo que a vida não acaba aos 70 e que nós , ‘idosos’, somos ainda capazes de grandes realizações.
Vamos pegar a estrada e sentir a brisa da ousadia sobre nossos rostos e a felicidade da vida palpitando pelas nossas veias, deixando tudo para trás — inclusive os preconceitos da idade.
O nosso tempo só acaba com o último sopro do coração e até lá vamos viajar de moto por onde a estrada nos levar, conhecendo pessoas, descobrindo histórias de vida, lugares, sabores, novas culturas e fazendo novos amigos pelo caminho.
Além do mais, não temos pressa. Dispomos de todo o tempo do resto das nossas vidas e, para ficar mais empolgante ainda, temos o incentivo dos desafios a serem vencidos e a lembrança e saudade dos amigos que irão ficando pelo caminho”.
A data escolhida para a partida rumo ao grande sonho foi o aniversário de 70 anos de Serafín, em 28 de abril de 2016. Isso mesmo, ano passado. Quis o destino que em 22 de março, pouco menos de 1 mês para o início da viagem, Shirley sofresse um acidente ao descer da moto. Todo o planejamento e o cronograma da viagem tiveram que ser alterados e, como não possuíam plano de saúde, as economias reunidas ao longo de suas vidas se perderam.
Felizmente, Shirley está totalmente recuperada e a nova data da partida está condicionada à fatores climáticos. De acordo com Serafín, eles precisam esperar o fim da temporada de chuvas da região norte, visto que irão atravessar a BR-319 e só o poderão fazer no período de estiagem.
A rota
O Projeto “My Big DreaM” está dividido em duas etapas.
A primeira, engloba rodar 25.000km dentro do Brasil, por todos os estados e Distrito Federal.
Já a próxima etapa, internacional, começa com a travessia da fronteira com o Uruguai. Em seguida passarão por Paraguai e Argentina, onde pretendem ir até Ushuaia, no extremo sul das Américas e de lá até a cidade de Prudhoe Bay, no extremo norte do Alaska, Estados Unidos, passando por todos os países americanos.
Do Alaska pretendem atravessar o estreito de Bering de navio ou avião até a Rússia, viajando posteriormente por países da Ásia, Europa, África e Oceania.
“Mesmo que esta aventura demore apenas um instante, lhes asseguro que vai valer a pena.
Somos um casal de idosos temerários.
Inconsequentes? Não, não, nada disso!“.
Ao realizar essa aventura, o casal pretende conquistar também dois Recordes do Guinness: a viagem de moto mais longa já realizada por um casal de idosos pelo Brasil pilotando uma motocicleta de baixa cilindrada e a viagem de moto mais longa ao redor do mundo já realizada por um casal de idosos com uma moto de baixa cilindrada.
A moto
Quando o Serafín me falou sobre a viagem que irá fazer com sua esposa Shirley, confesso que algo que me chamou a atenção além de suas idades foi o fato de o trajeto ser feito a bordo de uma Honda CG 160 Titan, moto popular de baixa cilindrada.
Porém, o idoso aventureiro me garantiu que a moto está preparada para enfrentar esta longa jornada. Segundo ele, não existe nenhuma outra equipada igual a sua. Ela conta com grade de proteção no farol dianteiro desenhada e instalada por Serafín, pedaleiras do carona no estilo Harley-Davidson, farol de milha, luz de freio e piscas auxiliares, proteção do motor e proteção das mãos, porta trecos, alforges, baú traseiro, mala de tanque, entre outras personalizações.
O momento certo — a principal lição que aprendi com Serafín e Shirley
Eu não sei vocês, mas eu sou o tipo de cara que, na maioria esmagadora das vezes, espera o momento certo para agir. Uns chamam de planejamento. Ok. Sem problemas. O grande problema aqui está em planejar demais e nunca agir. Ou, pior: apenas sonhar e não fazer nem uma coisa, nem outra.
Contei para o Serafín que eu e minha esposa, a Laís, temos uma grande vontade — que não chega exatamente a ser um sonho — de cruzarmos a América do Sul de carro. Conhecer o Deserto do Atacama, a Patagônia e Machu Picchu, principalmente. Ela é fotógrafa, eu sou escritor. Seria uma experiência incrível.
Falei pra ele que sempre que conversamos a respeito esbarramos na questão do veículo. Como nossa prioridade não é e nunca será ter um carrão — ainda mais no Brasil —, somos felizes proprietários de um carro popular. Ele cumpre nossa necessidade básica de locomoção e pra gente isso basta — já que o transporte público da nossa cidade (Tubarão, SC) é uma baita de uma bosta. Mas, isso não vem ao caso e, voltando a ideia central do parágrafo, para uma viagem desse porte, sempre imaginamos que precisaríamos de um Jeep ou de uma Land Rover super equipados.
Aí me aparece o Serafín, a Shirley e a Honda CG 160 Titan…
Ó o que o Serafín me disse sobre isso:
“Simplesmente vão do jeito que estiverem, com o carro popular ou sem ele. Se esperarem pelas condições ideais, elas nunca aparecerão, o tempo irá passar e, sem dúvidas, um pedaço do futuro de vocês não se realizará. Agora entendi o significado daquela frase (do Steve Jobs), porque estou tendo a experiência disso”.
É mole? O cara sabe muito. O acidente da Shirley poderia ter os feito desistir dessa empreitada audaciosa, mas, mesmo com tantas dificuldades, o casal segue firme em busca do seu grande sonho. Serafín garante que o fato não os intimidou de forma alguma — pelo contrário: estão cada vez mais determinados e firmemente decididos a realizar o Projeto “My Big DreaM” do início ao fim.
E como ajudá-los?
O acidente da Shirley foi um grande baque para as finanças do casal. Por isso, toda ajuda é bem vinda. No site do Projeto há uma lista dos recursos necessários para a viagem.
Eles precisam de qualquer tipo de patrocínio, seja com apoios e doações de vestimentas de segurança (jaquetas, calças, luvas, botas, protetores lombares, entre outros acessórios) ou então com hospedagem e alimentação.
Vamos colaborar para a realização deste sonho?