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Para Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano autor de Sociedade do Cansaço, “hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”.

No último domingo (30/06) a BBC Brasil divulgou uma matéria intitulada “por que o mantra ‘faça o que você ama e você nunca terá que trabalhar um dia na vida’ é uma armadilha“.

Nela, apresenta um estudo publicado no periódico científico Journal of Personality and Social Psychology que mostra que, como na vida amorosa, estar encantado por algo –– no caso, o trabalho –– pode “cegar” as pessoas e levá-las a executar tarefas que não foram contratadas para fazer.

Segundo seus autores, “o fato de os próprios gestores considerarem legítima a atribuição de tarefas extras, a partir da presunção de que os funcionários gostam do que fazem, leva, em muitos casos, a piores condições de trabalho”.

O fenômeno descrito no estudo é chamado de “legitimação da exploração da paixão”. Os autores advertem que, embora a paixão pelo emprego seja positiva, ela concede licença para práticas nocivas de gestão e exploração da mão de obra.

Ainda de acordo com o estudo, a exploração é definida “a partir do momento em que a gerência, que representa seus próprios objetivos e interesses, bem como os objetivos dos proprietários, exige que alguns funcionários trabalhem excessivamente ou se envolvam em tarefas degradantes sem pagamento adicional ou recompensas tangíveis”.

“Fazer hora extra não remunerada, ficar longe da família, trabalhar aos finais de semana sem compensação e até mesmo ouvir insultos e cobranças excessivas são vistos como comportamentos justificáveis entre pessoas que se relacionam de forma apaixonada com o trabalho – ou que a sociedade considera como ‘trabalho apaixonado’.”

A ditadura da produtividade

Lidando com os efeitos colaterais do discurso motivacional

O leitor que me lê semanalmente por aqui deve ter percebido que nos últimos meses tenho adotado um tom por vezes negativo em meus textos. Já dei uma dose de realidade para quem quer se tornar um nômade digital, levantei o debate sobre a relação entre trabalho e saúde mental e, assim como a matéria da BBC Brasil, fiz um alerta sobre o discurso de “trabalhar com o que ama”.

Isso não quer dizer, no entanto, que eu esteja infeliz com o meu trabalho ou com a minha rotina. Pelo contrário, nunca estive tão feliz do ponto de vista profissional. Acabei de lançar um livro, inclusive.

Todo esse pessimismo por vezes kafkaniano no que tenho escrito tem a ver com um processo de autoconhecimento e desaceleração que comecei há cerca de um ano para frear os efeitos colaterais que o discurso motivacional estava provocando na minha vida. Eu finalmente estava fazendo o que amo, que é escrever, mas por algum motivo estava frustrado com isso.

Byung-Chul Han diz que “em nome de uma potencialização da capacidade de desempenho de cada indivíduo, deixa-se de lado possibilidades como a capacidade de contemplar, sentir-se frustrado ou permitir reconhecer as nossas incapacidades”.

Para o filósofo, “criamos a imagem de um indivíduo que é capaz de múltiplas tarefas, com atenção dispersa e plural, incapaz de dizer não. Um indivíduo supostamente livre de instâncias imediatas de domínio, mas que alcança níveis de autoexploração doentios, o que é possível através do excesso de positividade”.

A Sociedade do Cansaço de Byung-Chul Han parece coexistir com a legitimação da exploração do estudo divulgado pela BBC Brasil, formando uma complexa e terrível simbiose entre o indivíduo explorado e autoexplorado.

No meu caso, dentro desse processo de autoconhecimento e desaceleração, percebi uma autoexploração baseada em receitas de sucesso que lia na internet. Eu estava tentando viver uma rotina que não era a minha, mas de terceiros –– acordar 5h da manhã, meditar ou usar meu tempo livre para fazer algo relacionado ao trabalho em vez de simplesmente relaxar.

Não que essas coisas não funcionem. Funcionam para um bocado de gente. Mas não pra mim.

A ironia nisso tudo é que me tornei mais produtivo justamente quando parei de perseguir a produtividade –– trabalhando menos horas por dia, inclusive.

O próximo passo foi organizar a minha agenda de acordo com as minhas vontades –– e não com a de terceiros.

A liberdade de dizer ‘não’

Phoebe Buffay

Quando o jornalista Ricardo Boechat faleceu, um representante de uma editora contou que certa vez o convidou para escrever um livro e obteve a seguinte resposta:

“Agradeço, sinceramente, por seu interesse. Mas lhe asseguro, do fundo do coração, que a última ideia que me passa pela cabeça – aliás, nem passa! – é escrever um livro”.

Eu achei essa resposta tão sensacional que a salvei aqui e tenho usado com certa frequência para responder de forma negativa convites para situações que não me interessam.

No trabalho é comum dizermos “sim” quando queremos dizer “não”. Seja porque estamos de olho numa promoção ou porque queremos agradar nosso chefe. Se você trabalha por conta própria, aceita convites para cafés e eventos dos quais não quer participar apenas para fazer parte do clubinho.

A real é que durante nossa busca pela realização profissional aceitamos a agenda de terceiros por medo. O medo de ser demitido, o medo de ser esquecido pelo seu público, o medo do que os outros vão pensar.

O que eu aprendi é que ao distribuir “nãos” para a agenda de terceiros, colocando minha própria agenda como prioridade, consigo focar no que realmente amo e sou bom, sendo produtivo e, ao mesmo tempo, realizado com o meu trabalho.

Eu poderia finalizar o texto dizendo para você experimentar isso, mas aí eu estaria impondo a minha agenda à sua. Faça o que você quiser e seja feliz. É só o que desejo.

Escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti.
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