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Ressaca pós-ano novo. Faz mais de 30 graus em Barra de Ibiraquera, Imbituba, minha cidade natal no litoral sul de Santa Catarina. O relógio marca 10h02. Visto meu shorts com estampa de coquetéis, no maior estilo turista americano nas Bahamas, ponho os óculos escuros não apenas para me proteger do sol forte, mas também para esconder as olheiras, completo o pequeno recipiente de isopor com quatro cervejas que sobraram da noite anterior (depois das 10h da manhã é ok beber) e carrego comigo pra praia o livro Reflexões Ácidas, um conjunto de tapas na cara escrito por Rodrigo Giaffredo, um barbudo que, além de dar seus rolês de Harley por Sampa, treina líderes ágeis na IBM e foi eleito recentemente um dos Top Voices do LinkedIn.

O subtítulo da obra diz que este é “um livro de autoajuda meio indigesto”. A escolha não poderia ser mais acertada. A cada reflexão ácida é como se o mar de Barra de Ibiraquera me engolisse –– a bandeira fixada hoje pelos guarda-vidas na beira do mar indica perigo, então a analogia cai bem para o momento.

Tem muita gente que torce o nariz para a autoajuda. E até entendo. Tem uma porrada de conselho tosco por aí do tipo “siga seus sonhos e tudo vai ficar bem” ou “para empreender basta ter força de vontade”. Sabemos que a vida real é bem diferente. Por outro lado, tem uma galera que acerta na dose e mostra que a autoajuda não precisa –– nem deve –– ser melzinho na chupeta.

Em uma de suas reflexões, aliás, Giaffredo dá uma letra que talvez explique o que separa os melzinho na chupeta dos tapa na cara.

“Sobre o por que de eu não gostar de dar conselhos. Me amarro mesmo em pensar junto com a galera, esse negócio de conselho soa estranho, distante até. Percebi isso depois de quebrar a cara algumas vezes, já que ficava ‘meia calabresa & meia mozzarella’ a quantidade de conselhos bons e ruins que eu distribuí. Minha conclusão foi a de que quando a gente remove o ego da jogada, a qualidade da orientação sobe demais, e o entendimento da provocação também. Quando alguém te procura pra pedir algum conselho, o papo é sobre a outra pessoa, e não sobre você. Experimenta aí… da próxima vez que alguém vier até você, remove o ego, e percebe como vai ajudar muito mais”.

Não sei se é a cerveja que começou a fazer efeito, mas me identifiquei muito com o trecho acima. De vez em quando eu publico umas reflexões por aqui –– não tão ácidas, talvez. Não considero o que faço como autoajuda, mas talvez o leitor sim. E aí de vez em quando recebo umas mensagens em que a pessoa conta sua vida pra mim e quer um conselho mágico.

Mano, não é assim que funciona. Textos, independentemente do formato, são para ser lidos. Não busque inspiração neles ou em seus autores. Busque no seu cotidiano. O Giaffredo, eu ou o seu produtor de conteúdo favorito temos realidades e rolês diferentes dos seus. Tentar replicar uma história de vida de um contexto que não é o seu é tiro no pé. Então a dica do Giaffredo serve também pro receptor: não peça conselho; troque ideia. É no diálogo real que você pode extrair algo –– do contrário vai ficar sempre no melzinho na chupeta da autoajuda barata.

O começo da indigestão

Quando o papo é foco e produtividade, o negócio começar a descer quadrado –– diferente da cerveja. Me vi em vários questionamentos do autor e percebi que muitas das minhas respostas foram do tipo “o que eu tô fazendo com a minha vida?”.

“Às vezes, definir o que a gente não quer ser ajuda muito no nosso planejamento de vida. Pensei, pensei, e decidi que não quero ser um ‘idealista que trabalha duro, hipnotizado pelo sucesso empresarial ao ponto de me tornar escravo dele’. E você, já parou alguma vez pra pensar no que você não quer ser?”

Sobre futuro

Além de foco e produtividade, o livro ainda trata sobre superação, equipes e o capítulo final, meu favorito, fala de um assunto que o autor manja muito: futuro.

Sou um zero à esquerda quando o assunto é inteligência artificial, robôs, etc. Porém, o texto do Giaffredo é leve, cativante e fluído. A leitura é didática e perfeita para leigos.

Tem reflexão sobre o velho papo de que os robôs vão roubar nossos empregos, a ética em torno dos avanços da inteligência artificial, algoritmos, etc.

“Sobre achar que a tecnologia vai roubar todos os empregos. Quem segue nessa linha, já parou pra pensar que o que muda de verdade as relações de trabalho ao longo da história, principalmente desde a 1ª Revolução Industrial, são as decisões que a gente toma em matéria de organização do mundo? A gente reconfigura a parada toda, e desenvolve modelos de trabalho e vida que viabilizem esse desejo de transformação, e não o contrário. Mudança no trabalho não é gatilho de transformação, é sim ‘vítima’ das escolhas mais amplas que fazemos enquanto sociedade (vítima para o bem e para o mal). Ou seja, tecnologia vem pra viabilizar o modelo de mundo que aspiramos ter, e não exclusivamente o modelo de trabalho a que teremos acesso. Quando ampliamos o espectro, vemos que o buraco está mais embaixo, aliás, bem mais embaixo. Não dá pra ter só medo da tecnologia, tem que pensar como aproveitar tudo que ela traz de benefício e de possibilidades também, senão fica como? Desespero total? Resignação irreversível? Não dá né…”

Por que você também deveria ler

Esse é um livro daqueles de cabeceira, para ser consumido aos poucos, em pílulas. São reflexões soltas, então você não precisa ler em ordem. Abra uma página qualquer durante a manhã e certamente você extrairá algo de bom.

Cada leitor consumirá as reflexões ácidas de Giaffredo de modos diferentes. E essa é a beleza da autoajuda tapa na cara, ou indigesta, como sugere o autor. Na maior parte do tempo ele não te dará respostas, mas perguntas –– e essa é a função principal desse tipo de literatura, o questionamento interno.

Como o próprio Giaffredo sugere: “perceber que a gente tem algo pra melhorar em nós mesmos é um dos lances mais legais dessa viagem chamada ‘vida'”.

Então, boa viagem!


Transparência: Eu até gostaria de dizer que sim, mas nem o autor nem a editora me pagaram R$ 1 sequer por este texto. O Giaffredo gentilmente me presenteou com uma cópia e, por gostar tanto do autor quanto da obra, resolvi escrever sobre. Ademais, acho que o livro pode ser útil para vocês.

Escritor, educador e TEDx Speaker. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti.
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